O NÍVEL DE APROFUNDAMENTO NO ENSINO MÉDIO BRASILEIRO

Mário Capp

Fui professor de Biologia no Ensino Médio em grandes escolas particulares de São Paulo. Evidentemente que, com a vivência dentro da área educacional,  muitas concepções que dizem  respeito a o que ensinar modificaram-se. Lembro-me de que nos primeiros anos ensinava todo o processo de Respiração Celular (Glicólise , Ciclo de Krebs e Cadeia Respiratória), com as fórmulas estruturais planas, nomes dos intermediários e os balanceamentos energéticos parciais até se chegar nos 38 ATPs. Preenchia toda a lousa, na época com giz colorido, e via os alunos copiando passo a passo cada etapa do processo. Explicava todo o funcionamento e o martírio dos alunos só  terminava na aula seguinte com uma avaliação na qual eles transcreviam a lousa  para uma folha de papel, que era recolhida e corrigida.

Analisando hoje, sinceramente envergonho-me  pelo que fiz os alunos. Que eu me lembre, apenas duas estudantes agradeceram,  tempos depois, pela aula. Eram duas alunas que haviam iniciado o Curso de Medicina e, portanto, viram algum significado naquilo que foi ensinado. Com certeza outras centenas de alunos  me amaldiçoaram.

Apenas cito esta situação para exemplificar como os alunos são trucidados por um Ensino Médio em que se  privilegia uma quantidade imensa de conteúdos. que são vistos com um grau de profundidade absurdo. Parece que os professores de matemática querem formar matemáticos, os professores de biologia, biólogos, os de química, químicos,  e assim por diante. Não que os conteúdos não sejam importantes, mas a especificidade com  que são tratados é simplesmente irracional. Para citar alguns exemplos, além dos da Biologia: quantas vezes você usou uma reação de saponificação, fez um cálculo com números complexos, usou algo de geometria analítica em sua vida, construiu uma imagem em um espelho côncavo entre milhares de outros exemplos que podem ser dados.

Por outro lado, com esse excesso de informações comuns a todos, deixamos de abordar disciplinas que poderiam ser optativas em função do grau de interesse de cada aluno. Assim, nada mais justo que um jovem que quisesse cursar medicina,  dispusesse da opção de cursar um tópico de biologia avançada(nesta situação podemos reinserir o processo de respiração celular, como no exemplo inicial). Outro,  disposto a cursar Química, que  pudesse cursar algo como química experimental,  e assim por diante.

Além disso, com a sistematização do currículo, outras  disciplinas importantes poderiam ser acrescidas como: Ética e Cidadania, trabalhando desde conceitos políticos até o Código de Defesa do Consumidor; Empreendedorismo com o processo básico de formação de empresas, além de espaços para a formação de grupos de interesse como existe nas High Schools americanas.


É evidente que existem inúmeras situações que, no momento, impedem que rumos mais adequados sejam tomados na educação brasileira, dentre os quais se destacam a cultura reinante de que ensino bom é aquele  em que se massacra o aluno com conteúdos, além do  famigerado vestibular, principalmente nas maiores universidades públicas, que é um câncer que deve ser extirpado. Mas isso já é tema para outra discussão.

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