FINLÂNDIA OU TIGRES ASIÁTICOS: Qual é o modelo de educação certo para a América Latina?
BBC BRASIL.com
11 MAI2015
Alejandra Martins
A Finlândia deixou o top 10 de matemática do PISA
Um pequeno país do norte da Europa,
com pouco mais de cinco milhões de habitantes, tem sido um exemplo para outros
países na educação por mais de uma década.
O desejo de aprender com o modelo
finlandês levou o Brasil e o Chile, entre outros, a estabelecer programas de
cooperação com professores visitantes.
Mas a queda da Finlândia em rankings
internacionais como nos testes do PISA - exame internacional da Organização
para a Cooperação Desenvolvimento Econômico (OCDE) - levantou dúvidas sobre o
sistema do país, que dá enfase à formação de professores e busca se libertar da
"camisa de força" do currículo baseado em disciplinas.
Para alguns especialistas, o modelo
finlandês é um "conto de fadas". Para outros, é o modelo do futuro.
Afinal, quem está certo?
Chega de 'disciplina'
Recentemente, o sistema de educação
do país voltou a atrair atenção quando diversos veículos publicaram que a
Finlândia iria abolir as disciplinas - como matemática ou geografia - do
currículo escolar.
O governo esclareceu, porém, que
apenas iniciou uma reforma em que haverá mais projetos interdisciplinares, com
um tópico - por exemplo, a União Europeia - visto no contexto de diversas
matérias.
Para Leonor Varas, doutora em
matemática e especialista em educação da Universidade do Chile, e que dirigiu
durante três anos um projeto de pesquisa bilateral do país com a Finlândia, a
América Latina ainda tem muito o que aprender com o sistema finlandês.
Yong Zhao, professor de origem
chinesa do departamento de educação da Universidade de Oregon, questiona a
autoridade que se confere aos rankings do PISA.
"As provas do PISA não são uma
medida de qualidade da educação, a menos que equiparemos a educação com
preparação para fazer uma prova do PISA", disse Zhao à BBC Mundo.
A Finlândia encabeçou em 2000, 2003 e
2006 o ranking do PISA, que compara o desempenho em matemática, ciência e
leitura de meio milhão de alunos de 15 anos em 65 países.
Todos os professores na Finlândia
precisam ter mestrado
No entanto, nos últimos resultados
divulgados, relativos aos testes de 2012, a Finlândia não estava entre os dez
primeiros em matemática. Os oito primeiros lugares são ocupados por sistemas
asiáticos (Xangai, Cingapura, Hong Kong, Taiwan, Coreia do Sul, Macau e Japão).
Para Gabriel Heller Sahlgren, diretor
de pesquisas do Centro para Estudos de Mercado de Educação, com sede em
Londres, o sistema finlandês está em declínio.
Em um artigo publicado pelo think
tank britânico Centre for Policy Studies, Sahlgren destaca que o êxito da
Finlândia em anos anteriores não foi um produto do sistema atual, mas um legado
da centralização educacional implantada quase quatro décadas atrás.
"É simplista olhar o atual
sistema de educação finlandês sem ver sua história", disse Sahlgren.
"Em vez de se diferenciar dos
centralizados sistemas asiáticos, a Finlândia fez, durante 40 anos,
precisamento o que hoje fazem muitos países emergentes: investir de forma
massiva e centralizada em educação".
Outros autores questionam os
"mitos da educação finlandesa." Tim Oates, do centro de preparação e
avaliação de exames Cambridge Assessment, da Universidade de Cambridge, é autor
de um estudo intitulado Contos de Fadas finlandeses.
Oates adverte, assim como Sahlgren,
que os bons resultados alcançados na Finlândia em 2000 são produto não da
autonomia com que geralmente é associado o sistema finlandês, mas às reformas
implementadas nos anos 70 e 80.
Professores com mestrado
Mas para Leonor Vargas, que visitou
várias escolas finlandesas e conhece bem o sistema de um novo tigre na
educação, Cingapura, o modelo a ser seguido pela América Latina continua sendo
o finlandês.
Ela acha que a questão-chave na
Finlândia - e que poderia fazer a diferença nos países latinos - está na
formação de professores, que tanto no ensino fundamental e básico precisam ter
mestrado.
Professores da Finlândia se
surpreenderam com a habilidade de professores chilenos darem atenção a 45
alunos
"É um sistema centralizado e a
preparação nas dez universidades que formam professores é muito
semelhante", diz Varas.
Na América Latina, em contraste,
"é possível encontrar formações incrivelmente diferentes."
Varas disse que o elevado nível de
formação permite que os professores finlandeses sejam criativos. "Eles são
exigentes e centralizados, mas ter um nível tão elevado lhes dá liberdade para
manipular e responder a cada situação particular frente às necessidades de seus
alunos."
O aperfeiçoamento dos professores
também é diferente.
"E eles são muito profissionais.
Por exemplo, um professor em nosso projeto que visitei havia recebido em sua
classe um aluno surdo e havia retornado para a faculdade para estudar como
ensinar um aluno surdo."
Status e salários
Os professores são altamente
respeitados na sociedade.
"Um amigo pesquisador da
Universidade de Helsinki se apresenta em todo o mundo como um doutor em psicologia.
Mas em seu país se apresenta como professor de educação básica", diz
Varas.
"Para ser professor, teve que
passar por cursos para os quais havia dez pessoas por vaga. É mais fácil obter
uma vaga em um doutorado em psicologia."
O salário anual de um professor do
ensino médio na Finlândia (US$ 28.780) é menor do que nos EUA (US$ 44.917
dólares), de acordo com o Índice Global de Status dos Professores 2013 da
fundação britânica Varkey GEMS.
Mas há outras condições que explicam
por que muitos finlandeses escolhem ser professores de crianças.
"É a qualidade de vida. O tempo
que você tem que estar presente na escola não é mais de 20 horas por
semana", disse Varas.
"É claro que eles trabalham mais
de 20 horas, mas podem fazer isso colaborando com outros professores,
preparando as aulas, analisando trabalhos escolares. Sua profissão lhes permite
passar mais tempo com seus filhos, ter uma vida feliz, estudar e se desenvolver
profissionalmente."
Cingapura: valores para o século 21
O Chile também colabora com Cingapura,
e professores do Instituto Nacional de Educação, que forma os professores do
país asiático, visitaram escolas chilenas.
"Uma vez eu dei parabéns a um
dos fundadores do Instituto Nacional de Educação de Cingapura, porque eles eram
o número um nos testes TIMSS, que medem o desempenho em matemática."
"Mas ele me disse 'Por que
parabéns'? Não é o que nós queremos. Nós queremos ser como a Finlândia, que
nossos alunos pensem mais, que desenvolvam mais a capacidade de resolver
problemas fora do padrão."
Varas disse à BBC que, inicialmente,
o sistema de Cingapura estava muito focado em conteúdo, mas agora dá grande
ênfase à aquisição de valores.
"Eles chamam isso de
competências para o século 21". Buscam desenvolver pessoas íntegras,
comprometidas, capazes de trabalhar em equipe, de aprender ao longo da vida. É
definitivamente algo muito diferente do que vimos em Cingapura no início da
nossa colaboração".
Pressões na China
O fato de a Finlândia não estar entre
os top 10 em matemática no PISA não significa que a educação piorou, de acordo
com o chinês Zhao.
Aula em Xangai, primeiro lugar em
matemática nas provas do PISA
"O PISA não necessariamente mede
a qualidade da educação. E a posição da Finlândia no ranking caiu em termos
relativos em parte porque mais sistemas do leste da Ásia participaram com bons
resultados."
O primeiro lugar do PISA em
matemática ficou com Xangai, mas Zhao, que foi educado na China, questionou
aspectos do sistema educacional neste país.
"Os estudantes na China
enfrentam uma enorme pressão para obter bons resultados nos exames, têm grande
carga acadêmica e gastam enormes quantidades de tempo se preparando para
testes. Por isso a educação acaba se tornando uma preparação para os
exames", disse Zhao.
Comentários
Postar um comentário